Caso Elize Matsunaga: treze anos depois, uma vida em reconstrução sob os olhos da sociedade

Em 2012, o Brasil parou para acompanhar um dos crimes mais chocantes e midiáticos de sua história recente: o assassinato do empresário Marcelo Matsunaga, herdeiro do império Yoki, pelas mãos de sua própria esposa, Elize Matsunaga. O que começou como um drama familiar de aparências falsas e tensões crescentes culminou em um homicídio brutal, seguido de uma tentativa desesperada de encobrimento. Treze anos após o crime, Elize, hoje com 44 anos e conhecida como Elize Araújo Giacomini, vive uma rotina discreta no interior de São Paulo, sob regime aberto de cumprimento de pena. Mas o passado não a deixa em paz. Uma nova série de streaming reacende o interesse público, trazendo à tona questões sobre perdão, herança e redenção. Esta é a história completa e atualizada do caso que ainda ecoa na sociedade brasileira.

O Crime que Abalou o País: Uma Noite de Fúria e Desespero

Tudo começou na madrugada de 20 de maio de 2012, em um luxuoso apartamento no bairro dos Jardins, em São Paulo. Marcelo Matsunaga, de 42 anos, era um homem bem-sucedido: vice-presidente da Yoki Alimentos, casado com Elize desde 2009, e pai de uma filha de apenas 1 ano e 8 meses, a pequena Maria Fernanda. O casal, no entanto, vivia uma relação tóxica. Elize, uma loira de 31 anos, ex-modelo e manicure, havia se casado com Marcelo em uma cerimônia badalada, mas as brigas eram constantes. Ele a acusava de infidelidade e ameaçava o divórcio, enquanto ela reclamava de maus-tratos emocionais e físicos.

Naquela noite fatídica, Marcelo chegou ao apartamento após uma viagem de negócios. Uma discussão acalorada explodiu. Segundo o depoimento posterior de Elize, Marcelo a teria agredido verbal e fisicamente, ameaçando-a com uma arma. Em um ato que ela descreveria como autodefesa, Elize pegou a pistola Taurus calibre 380 de Marcelo e atirou à queima-roupa, atingindo-o no peito e na cabeça. O tiro foi fatal. O corpo do empresário caiu no chão do quarto, e o que se seguiu foi um cenário de pânico e frieza calculada.

Elize, sozinha com a filha dormindo no quarto ao lado, não chamou a polícia. Em vez disso, ela planejou o descarte do corpo. Usando ferramentas improvisadas – uma serra, facas de cozinha e um machado emprestado de um vizinho –, ela desmembrou o cadáver de Marcelo ao longo de horas. O processo foi meticuloso e grotesco: a cabeça, os braços e as pernas foram separados do tronco, lavados na banheira e embalados em três malas de viagem. Para despistar o cheiro, Elize espalhou desinfetante e incenso pelo apartamento. No dia seguinte, ela contratou um táxi para levar as malas até a Rodovia Régis Bittencourt, na altura de Parelheiros, na zona sul de São Paulo, onde as abandonou em uma área de mata.

A ausência de Marcelo foi notada rapidamente. Seus familiares, preocupados, acionaram a polícia. Elize, inicialmente, fingiu preocupação, alegando que o marido havia saído para um compromisso de negócios. Mas inconsistências em seu relato – como a falta de sangue no apartamento e mensagens trocadas no celular de Marcelo – levantaram suspeitas. Dois dias após o crime, em 22 de maio, a polícia invadiu o apartamento e encontrou vestígios mínimos de sangue, além de ferramentas ensanguentadas escondidas. Horas depois, um catador de latinhas encontrou as malas na estrada. O corpo mutilado foi identificado por meio de tatuagens e próteses dentárias. Elize foi presa em flagrante.

O crime chocou o Brasil não só pela brutalidade, mas pelo contraste: Elize, com seu visual glamoroso e sotaque paranaense, parecia a “dama de ouro” saída de um filme de Hollywood, enquanto Marcelo representava o establishment econômico. A mídia apelidou o caso de “O Crime das Malas”, e as manchetes se multiplicaram, comparando-o a outros escândalos como o de Suzane von Richthofen.

O Julgamento: Teses de Legítima Defesa e Motivação Financeira

O processo judicial durou cinco anos, marcado por reviravoltas e debates acalorados. Elize foi defendida pelo advogado Luiz Flávio Gomes, que sustentou a tese de legítima defesa: ela alegava ter agido em um surto de pânico, após anos de violência doméstica por parte de Marcelo. Perícias confirmaram hematomas antigos em seu corpo, e testemunhas relataram brigas violentas. No entanto, a promotoria, liderada por Cíntia Côrtes, pintou um quadro diferente: Elize seria uma mulher ambiciosa, movida por ciúmes e ganância. Provas indicavam que ela pesquisara no Google termos como “como limpar sangue” e “como sumir com um corpo” dias antes do crime, sugerindo premeditação.

O julgamento, realizado em dezembro de 2017 no Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães, em São Paulo, durou 13 dias e foi transmitido ao vivo pela TV Justiça, atraindo plateias lotadas. Elize depôs chorando, descrevendo o casamento como uma prisão emocional. “Eu o amava, mas ele me destruía”, disse. A filha, então com 7 anos, foi mencionada como o maior motivo de seu arrependimento.

Em 13 de dezembro de 2017, o júri popular condenou Elize por homicídio qualificado (por motivo torpe e uso de recurso que dificultou a defesa da vítima) e ocultação de cadáver. A pena inicial foi de 20 anos de prisão, reduzida para 19 anos e 6 meses após recursos. Ela recorreu, mas a sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2018. O crime também teve desdobramentos civis: Elize perdeu a guarda da filha, que foi entregue aos avós paternos, e enfrentou disputas pela herança de Marcelo – avaliada em cerca de R$ 5 milhões na época, incluindo ações da Yoki.

A Vida Atrás das Grades: Alianças, Reflexões e Progressão de Pena

Elize cumpriu pena na Penitenciária Feminina Santa Maria Eufrásia Pelletier, em Tremembé, interior de São Paulo – o mesmo presídio que abrigou Suzane von Richthofen e outras presas de alto perfil. Lá, ela se adaptou rapidamente. Formou uma relação íntima com a detenta Sandra Regina Ruiz, conhecida como “Sandrão”, uma transgênero condenada por tráfico. O relacionamento, que durou anos, gerou polêmicas e memes nas redes sociais, mas Elize o descreveu como um apoio emocional essencial.

Durante a prisão, Elize se envolveu em atividades de ressocialização: estudou administração de empresas, participou de oficinas de artesanato e terapia. Ela escreveu cartas e deu entrevistas raras, sempre enfatizando remorso. Em uma delas, em 2019, disse: “Eu destruí uma família, mas aprendi que o perdão começa em mim mesma”. Em 2020, durante a pandemia, o presídio enfrentou surtos de Covid-19, e Elize contraiu a doença, mas se recuperou.

Após 10 anos de cumprimento – o mínimo exigido para progressão em crimes hediondos –, Elize obteve regime semiaberto em 2021 e, em maio de 2022, migrou para o regime aberto. Condições: comparecer mensalmente ao fórum, não frequentar bares e manter emprego fixo. Ela deixou Tremembé com uma mochila e o sobrenome de solteira, Araújo Giacomini, adotado para uma nova identidade.

A Vida Atual: Discrição, Trabalho e o Peso da Filha Ausente

Hoje, aos 44 anos, Elize reside em Franca, uma cidade pacata no interior paulista, a cerca de 400 km de São Paulo. Longe dos holofotes, ela reconstrói a vida como motorista de aplicativo, uma profissão que escolheu por sua flexibilidade e por permitir contato humano sem exposição excessiva. Clientes que a reconhecem a descrevem como educada e profissional, com avaliações positivas em plataformas de ride-sharing. “Ela é pontual e simpática, nem parece quem a mídia pinta”, comentou um passageiro em depoimento recente.

Financeiramente, Elize vive de forma modesta. Parte da herança de Marcelo foi bloqueada durante o processo, mas ela recebeu uma pensão vitalícia como viúva, estimada em R$ 10 mil mensais, além de rendimentos de investimentos. No entanto, a disputa pela herança persiste: em 2025, debates jurídicos questionam se condenadas por homicídio contra cônjuge têm direito a bens do espólio. Especialistas afirmam que sim, desde que não haja prova de dolo financeiro no crime – um ponto ainda em aberto no caso dela.

O maior vazio em sua vida é a filha, Maria Fernanda, agora com 14 anos. Criada pelos avós paternos em São Paulo, a menina não mantém contato com a mãe, por decisão familiar. Elize respeita isso, mas em entrevistas recentes, expressou o desejo de reconciliação. “Eu a amo mais que tudo. Um dia, talvez ela me perdoe”, confidenciou.

Recentemente, Elize se aproximou de uma rotina espiritual: pratica meditação e frequenta grupos de apoio a vítimas de violência doméstica, invertendo o papel que um dia ocupou. Ela afirma ter “vencido” o trauma do crime, acreditando que Marcelo a perdoou em sonhos que descreve como visões reconfortantes.

O Retorno aos Holofotes: Série “Tremembé” e o Debate Sobre Redenção

O que trouxe Elize de volta às manchetes em novembro de 2025 foi a estreia da série “Tremembé”, no Prime Video, uma produção que retrata a vida no presídio onde ela cumpriu pena. Interpretada por uma atriz em ascensão, Elize é mostrada não como vilã unidimensional, mas como uma mulher complexa, vítima e algoz. A série, inspirada em histórias reais, inclui cenas ficcionalizadas do crime e da prisão, gerando críticas por “glamourizar” o homicídio.

Além disso, uma carta aberta de Elize, publicada em um blog anônimo, viralizou nas redes: nela, ela liga para um antigo amigo de Marcelo, pedindo perdão em nome da família. O gesto dividiu opiniões – uns veem como genuíno, outros como oportunismo. Paralelamente, o caso reacende discussões sobre gênero e justiça: quantas mulheres matam em contextos de abuso? Estatísticas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que 40% dos feminicídios ocorrem em lares violentos, mas poucos resultam em legítima defesa reconhecida.

Legado de um Caso que Não Acaba

Treze anos depois, o caso Elize Matsunaga transcende o crime em si. É um espelho da sociedade brasileira: machismo velado, midiatização da dor e a busca por segundas chances. Elize, com sua liberdade condicional, caminha por ruas comuns, mas carrega o peso de um passado que a define. Se ela reconquistará a filha, a herança ou a paz plena, só o tempo dirá. Por enquanto, em Franca, ela dirige sob o sol do interior, provando que, mesmo após o pior erro, a vida insiste em recomeçar.

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